SIGMUND FREUD
Em consideração à posição que Sigmund Freud ocupa no pensamento moderno, damos uma breve exposição das suas doutrinas, embora não seja ele filósofo no sentido mais rigoroso do termo.
Há, porém, um motivo filosófico para que ele seja incluído na história da filosofia: os seus estudos sobre o subconsciente exerceram e ainda exercem bastante influência também no mundo filosófico, no qual em particular as pesquisas de muitos existencialistas se movem na direção assinalada por Freud.
A VIDA
Sigmund Freud, nascido de família israelita em 1856, em Friburgo, pequena cidade da Morávia, doutorou-se em medicina pela Universidade de Viena, em 1881, e, em 1885, conseguiu a livre-docência, especializando-se em neuropatologia.
Conta-se que o jovem Freud, quando colega de Breuer, ficou impressionado com uma observação do grande médico vienense, o qual tinha notado que certos distúrbios nervosos de uma paciente sua desapareciam logo que a doente conseguia recordar-se de um fato esquecido e trazido à sua mente pelo médico, durante o sono hipnótico. Freud foi levado por esta observação a estudar a origem dos distúrbios histéricos, chegando à conclusão de que eles se prendem a acontecimentos passados da vida do doente. O passado aflora na realidade presente e influencia a sua conduta como processo não consciente, mas inconsciente. Esta intuição foi o germe do qual se desenvolveu toda a teoria freudiana.
Freud estudou longamente a psicopatologia da vida cotidiana. Depois elaborou a teoria da interpretação dos sonhos, que, junto com os lapsus linguae (“lapsos da língua”), são os sinais mais importantes através dos quais se manifesta a vida do inconsciente.
Lecionou por muitos anos na Universidade de Viena, até ser exonerado pelos nazistas.
Morreu no exílio, em Londres, aos 23 de setembro de 1939.
Dentre suas obras recordemos: A interpretação dos sonhos (1906), Totem e tabu (1913), Introdução à psicanálise (1916-1917), Psicanálise e teoria da libido.
A PSICOLOGIA
Segundo Freud, a nossa consciência está dividida em vários compartimentos, os quais estão em relações mútuas, mas não pacificas. As doenças nervosas nascem sempre de conflitos entre os compartimentos. Vejamos primeiramente quais são estas seções e seus instintos particulares para depois analisarmos a doutrina freudiana sobre a origem das neuroses e sobre o modo de curá-las.
A nossa psique se compõe, segundo Freud, de três estratos: um substrato, que ele chama es (“id”) ou subconsciente, um plano intermediário representado pelo ego (“eu”) e um plano superior representado pelo superego (“super-eu”).
O mundo do subconsciente é movido pelo instinto natural, cujo único objetivo é o prazer.
O superego representa a lei moral e a sanção, ditadas pelas normas sociais e pelas idéias religiosas do ambiente.
Entre o subconsciente e o superego existe divergência constante, conseqüência da oposição reinante entre suas exigências. Do subconsciente sobem incessantemente à consciência desejos, tendências, necessidades e fantasias; mas o superego, guarda rigoroso dos ditames da moral e da religião, procura impedir que tais necessidades e desejos aflorem na esfera da consciência (ou do consciente). Formam-se então as necessidades reprimidas, o que não significa que as necessidades e os desejos tenham sido eliminados, mas simplesmente que se transformaram, tornando-se complexos. Para se exprimirem de algum modo e também para escaparem ao controle atento do superego, estes complexos encontram modos permitidos pela censura; mas às vezes os disfarces criam transtornos e desvios tais que dão origem a verdadeiras e próprias neuroses. Baseia-se neste princípio a terapia psicanalítica, segundo a qual a cura de muitos distúrbios nervosos consiste em procurar a sua origem nos instintos reprimidos, em fazê-los aflorar à consciência e em dar-lhes saída através das válvulas de segurança da palavra.
O instinto predominante, o que move o subconsciente à ação, é a libido, o instinto sexual. A sua ação se desdobra em três fases.
A primeira é a do amor narcisista. Segundo Freud, as primeiras manifestações da sexualidade infantil são auto-eróticas. A criança ainda não percebe nenhum objeto fora de si; sente somente o próprio corpo e para ele dirige a sua libido. Muitos comportamentos instintivos da criança são também manifestações da libido.
A segunda fase da libido é a do amor edipiano. Édipo, imortalizado na tragédia de Sófocles, foi o desventurado rei de Tebas que, sem saber, matou o próprio pai, Laio, e desposou, sem reconhecê-la, a própria mãe, Jocasta.
Passada a experiência auto-erótica narcisista, o menino se vê envolvido como ator principal no drama amoroso de Edipo. A libido, que antes se voltara para si mesma, volta-se, à medida que toma contato com o mundo exterior, para as pessoas mais próximas. E é a mãe naturalmente que o menino “ama” mais do que a todos; mas ele percebe que nesta sua tendência o pai é um impedimento e um rival. Por isso, ele o odeia: quando o pai está presente, sente-se aborrecido; quando está ausente, sente-se feliz; quando trata a mãe com ternura, protesta contrariado. Este rancor mais ou menos obscuro ao pai é um sucedâneo simbólico do parricídio de Edipo e configura um complexo psíquico que perdura mais ou menos até os cinco anos de idade, sendo depois normalmente superado; na menina é somente nesta idade que começa a manifestar-se o apego ao pai e a conseqüente rivalidade em relação à mãe (complexo edipiano feminino).
A terceira e última fase da libido é a que começa com a crença na puberdade. Nesta fase a sexualidade se concentra nos órgãos específicos e se orienta para a procura de uma satisfação heterossexual. Mas, antes que a libido alcance o seu estádio perfeito, pode facilmente acontecer que um obstáculo psíquico detenha o seu desenvolvimento ou a obrigue a desviar-se: aqui nascem as perversões (mas não só nesta fase, porque muitas vezes as causas das neuroses remontam a épocas anteriores). A formação das mais variadas perversões é explicada por Freud como desvios e repressões do instinto sexual nas fases imaturas.
Evoluindo e amadurecendo através das diversas fases, a libido se orienta para a realização do ato sexual. Mas não se fixa necessariamente nele. Pode acontecer, e muitas vezes acontece, em graus diferentes, que os instintos se voltem para outros objetivos: para metas e esferas de ação de valor social e moral mais elevado (interesses científicos, artísticos, religiosos, etc.), nas quais a libido se acalma e parece dessexualizada, sublimada..
A PSICANÁLISE
Freud afirma que todas as neuroses são causadas por um “complexo”, isto é, por um instinto reprimido, submerso no subconsciente e portador de uma carga afetiva que, não podendo libertar-se num processo normal, torna-se perturbadora do organismo psíquico.
Por outro lado, a libido, não podendo resignar-se a ser reprimida no inconsciente e não podendo obter, por outra via, uma satisfação direta dos seus desejos, encontra na atividade onírica (nos “sonhos”) uma espécie de compromisso: para Freud o sonho é o meio através do qual o subconsciente “reprimido” encontra o modo de aflorar e de realizar-se simbolicamente.
Outro recurso são os lapsus linguae (os “lapsos da língua”).
Se, pois, a causa da neurose é sempre um instinto reprimido, portador de uma carga afetiva não libertada, o médico não pode ter dúvidas quanto ao método a seguir: estudar o subconsciente, descobrir nele o complexo, trazê-lo à luz da consciência e libertar a sua carga afetiva, orientando-a para uma evolução normal. E este o método da psicanálise.
Uma fase importante do método psicanalítico é a da transferência. Quando o complexo patogênico vem à luz da consciência, o sintoma mórbido desaparece, deixando livre a carga afetiva, a qual se se deseja evitar outra neurose, deve encontrar imediatamente um objeto sobre o qual fixar-se, ao menos momentaneamente, à espera de uma solução normal.
A ação de passar para um objeto (pessoa), que o acolhe provisoriamente, o potencial afetivo de atração ou repulsão, de amor ou de ódio, segundo os casos, é precisamente a transferência.
No método freudiano de cura, aquele que é envolvido no drama psíquico do paciente e sobre o qual “recai” a transferência é o médico analista. Mas, aos poucos, mostrando a irracionalidade e a inaturalidade, por exemplo, de um amor voltado para o pai, o médico desvia de si aquela carga afetiva e a encaminha para uma solução normal, por exemplo, para um parceiro sentimental. Ou a “sublima”, elevando-a a esferas mais altas, sociais ou religiosas.
O INSTINTO DE MORTE
A libido (que é sinônimo de eros = “amor”) é essencialmente instinto de vida, energia de vida. A identificação generalizada deste instinto com a dinâmica essencial da vida leva Freud a tomar em consideração o instinto oposto, o de morte, com o qual o instinto de vida se encontra em relação dialética.
Segundo Freud, na sua evolução natural-histórica, a vida chega necessária e, por assim dizer, fatalmente, ao estádio da sua completa extinção. A sua existência é ser para a morte. A forma na qual se manifesta, na vida do homem, o instinto de morte é, segundo Freud, a de instinto de agressão. Em suas agressões instintivas, o homem se enfurece contra os Outros e contra si mesmo. O superego manifesta esta agressão, exteriormente, na forma coletiva e individual da autoridade; interiormente, como consciência, normal ou perversa (sadismo). Assim, a agressão aparece como o instinto fundamental da natureza humana e da própria vida.
MÉRITOS E INSUFICIÊNCIAS DE FREUD
Freud teve o grande mérito de sublinhar o dinamismo dos instintos humanos, a complexidade da consciência, a influência exercida sobre ela pelo subconsciente e a importância do estudo deste último para a compreensão da consciência e para a sua orientação.
Outra idéia fecunda que a psicanálise afirmou contra um fisicismo
e um fisiologismo difundidos é a de que a alma é curada pela alma e que as reservas psíquicas do homem são indispensáveis (mais do que os remédios) para a cura das deformações psíquicas.
Mas, com razão escreve Zunini: “Entre as insuficiências mais graves está a importância excessiva atribuída à sexualidade, com prejuízo de outras instâncias também profundamente radicadas na atividade humana ( . . . ), o enigma de uma sublimação que dá lugar às atividades mais contrastantes e qualitativamente diferentes e que se desenvolve o mais das vezes no inconsciente, a indiferença, às vezes hostil, ao fato religioso”.